LUCUSSUE, ANGOLA, 22 DE FEVEREIRO DE 2002 & ABBOTTABAD, PAQUISTÃO, 02 DE MAIO DE 2010.


Abbottabad é conhecida como a “Cidade das Escolas”, pois alberga a sede de várias escolas preparatórias excelentes e da principal academia militar paquistanesa. Era aqui o esconderijo perfeito de Bin Laden, após os ataques às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova Yorque, Estados Unidos da América, perpetrado por terroristas da Al-Qadea, do qual era o cabecilha.

Localizada no sopé dos Himalaias, correndo perfilado até a fronteira com a China e fundada em 1853, por James Abbot, oficial inglês que desempenhou um papel menor no grande jogo que opôs britânicos e russos na luta pelo domínio da Ásia Central.

Por seu turno, Lucussue, é uma vila e comuna angolana localizada na província do Moxico, a 133 km a sul da cidade do Luena, na região Leste de Angola. É nesta localidade que se situa o famoso rio Lungue-Bungo, que nasce em Angola, com foz na República da Zâmbia.

Estima-se que o seu cumprimento é de 645 km, sendo uma fonte de recursos valiosos para a população que habita ao longo das suas margens. Foi nesta região angolana que Jonas Savimbi, Presidente da UNITA, decidiu fixar-se, aquando do asfixiamento que lhe fora imposto pelas forças governamentais, nos primórdios da década de 2000, até ao último suspiro.

Por que razão juntamos neste texto o nome de duas localidades distintas e de dois homens de perfis singulares?

Ora bem! Porque julgo que a paz em Angola, só foi possível graças ao 11 de Setembro de 2001. Recuando no tempo, lembro que mês e um dia antes do fatídico ataque terrorista sobre o solo dos Estados Unidos da América, ou seja, previamente no dia 10 de Agosto de 2001, ocorreu o ataque ao comboio de passageiros do Caminho-de-Ferro de Luanda, na localidade de Zenza do Ytombe, com centenas de mortos e feridos, dos quais, e permitam aqui fazer uma pausa, caros leitores, constou o então Subintendente da Polícia Nacional, Simão Vilas Gabriel, que até a data da sua morte, exercia a função de chefe de operações do Posto Comando Provincial do Cuanza Norte da Polícia Nacional. De quase metro e noventa centímetros de altura, rigoroso na sua higiene individual e impecável no atavio, cujas botas ou sapatos orgânicos eram quase espelhos, devo-lhe o eterno sentimento de gratidão pela inspiração sobre o aprumo que carrego desde então, pena nunca tê-lo confessado, mas lacrimejei com o sentimento de perda irreparável pela sua morte, cuja dor foi ainda mais terrível e insuportável, quando os relatos de sobreviventes daquele ataque, indicavam que quase sobrevivera, não fosse a altura traiçoeira que o denunciou, quando já havia desembarcado sobre a janela da carruagem de passageiros da locomotiva em chamas, tendo sido certeiramente atingido por rajadas de uma metralhadora PKM, no sopé de uma montanha que lhe abriria a rota da salvação.

O Governo angolano, em consequência deste ataque ferroviário, denuncia a comunidade internacional, apelando que se tratava de um acto terrorista, afirmação ignorada.

Entretanto, quando a Al-Qaeda, passado mês e um dia do ataque ao comboio no Zenza-do-Ytombe, põe abaixo as torres gêmeas nos EUA, o Ocidente muda de posição e, em Angola, o cenário da batalha, agora mais confinada no Leste de país, com as FAA ao encalço do líder da UNITA, apoiadas por forças especiais da Polícia Nacional, entre ninjas e cães farejadores, a guerra ganha novos contornos.

Na pacata cidade de N’DALATANDO, sede da província do Cuanza Norte, a expectativa em torno do desfecho da guerra era enorme. Ouvir as emissões da Rádio Nacional de Angola, com os repórteres Abel Abraão a partir do Cuito, António Pedro Capapa, em Luanda, apenas para citar estes, era uma obrigação, uma tradição que eu mantinha, para além das emissões vespertinas da Voz da América, que desde os doze anos de idade, sob influência do meu malogrado pai, não deixava escapar.

Foi através das estações de rádios do país e outras internacionais que apercebi, na voz do então Comandante-em-chefe das FAA, José Eduardo dos Santos, no dia 17 de Dezembro de 2001, o anúncio dos três cenários possíveis sobre o destino de Jonas Savimbi.

O primeiro cenário consistia em rendição, o segundo referia-se a captura e o terceiro assentava sobre a morte em combate. Este discurso do Presidente dos Santos, foi entendido como a indicação de que Jonas Savimbi estava sitiado. Neste dia, a coluna do líder da UNITA sofre um ataque impiedoso das FAA.

Terá sido o referido ataque que dificultaria doravante os movimentos de Jonas Savimbi. Acentuou-se o cerco com registo da redução dos elementos que integravam as colunas. Alguns morreram de fome e outros vítimas de emboscadas ou captura. Os Generais Kufuna Yembe e Samuel Epalanga, antigo chefe da BRINDE, renderam-se.

Decorria o ano de 2002, o dia é 23 de Janeiro, quando aos microfones da Voz da América, na sua emissão vespertina, entrevistado ao telefone, António Sebastião Dembo, na altura Vice-Presidente da UNITA, nega que as tropas do Governo tenham estado alguma vez próximo da coluna de Jonas Savimbi, referindo que, (...do meu lado sim, houve uma vez que estiveram perto de mim, mas da parte do Dr. Savimbi, ou da coluna que andava com ele nunca).

O Estado Maior General das FAA, compreende as declarações de Dembo como sendo sendo uma manobra de diversão, com vista a materializar o princípio do General Sun Tzu, do seu livro A ARTE DA GUERRA, segundo o qual, “quando estás longe finge que estás perto e quando estás perto finge que estás longe”.

Os EUA, aflitos com os seus problemas internos sobre a segurança nacional, tomam decisões para desmontar as células terroristas a nível mundial, cujo Iraque não viria a escapar da mira, sob acusação de possuir ADM (armas de destruição maciça), relegando assim para o segundo plano, temporariamente, o habitual patrocínio aos conflitos armados em muitos países do mundo subdesenvolvido, dos quais, felizmente, a República de Angola.

Em busca da paz, o exército angolano, reforça-se com equipamentos de comunicações sofisticados, adquiridos em países com elevada capacidade técnica e tecnológica no domínio militar.

A esta altura, o presidente da UNITA, já havia deixado de falar a rádios estrangeiras desde Maio de 2001. Não falava ao telefone ou aos rádios de comunicação como medida preventiva de detecção/identificação da sua voz por meios electrónicos. Os contactos que mantinha com a hierarquia militar da guerrilha era por intermédio do seu Vice Chefe Estado Maior General das FALA, o General Samuel Kapinala “Samy”, que por sua vez repassava aos comandantes militares.

Encurralados próximo à fronteira com a Zâmbia, a caravana do líder da UNITA enfrentava dificuldades enormes de ordem logística, desde a fome que apertava à munições que faltavam nos carregadores das espingardas e metralhadoras que já se revelavam impotentes para ripostar as operações das FAA.

Na semana que precedeu o dia 22 de Fevereiro de 2002, Isaías Samakuva, representante da UNITA em França, recebe um telefonema do Coronel Kate Hama, informando que o “mais velho” orientava que cessasse os contactos diplomáticos com as Nações Unidas. Portanto, convém aqui realçar que o Coronel Hama e outro oficial do mesmo posto Kassique Pena, haviam sido raptados no dia 2 de Fevereiro e aquele telefonema já fora feito a partir de Luanda, estava em acção o imprescindível serviço de contrainteligência militar.

O programa Nação Coragem da TPA, de maior audiência em Angola, naquela altura, dado o seu relevante papel no processo de reencontro de familiares desaparecidos e alguns já considerados como falecidos, a maioria localizados em zonas controladas pela UNITA, vulgarmente conhecidas por “cativeiro”, apresenta o Major Guido Junjevili, capturado quando ia buscar água no rio Luoli.

Na manhã de 17 de Fevereiro de 2002, ao longo do supracitado rio, uma unidade das FAA, desembarca na parte Leste com a Zâmbia, onde intercepta pela rectaguarda uma coluna da UNITA que mudava de base operacional. O General Galliano da Silva e Sousa, também conhecido por “Bula Matadi”, recusa a ordem de rendição e cai ao chão crivado de balas nas regiões torácica e craniana.

O programa “Hora Certa”, apresentado pelo jornalista Otávio Pedro Capapa, de maior audiência no país na data dos factos, emitido pela Rádio Nacional de Angola, frequentemente revelava informações operacionais sobre as manobras da coluna de Jonas Savimbi, na região Leste, usando até códigos típicos de comunicação militar.

Numa das edições do aludido programa, dava-se conta da captura pelas FAA, do General Kalias, feita no dia 17 de Fevereiro de 2002, nas imediações do rio Luzy, causando deste modo uma grande dispersão da coluna presidencial de Savimbi, que veio a sofrer mais um ataque cirúrgico dois dias depois, reduzindo a mesma por nove elementos, destacando-se, além de Savimbi, o Coronel Quim, um guarda, um cozinheiro, uma menina abaixo de doze anos, a esposa do Vice-Presidente Dembo e um responsável do controlo aéreo.

Ao cair da tarde daquele 22 de Fevereiro de 2002, em plena sexta-feira, a notícia sobre a morte de Savimbi, foi motivo de festejos em quase todo o país, tendo sido ouvido ruído de tiros e até de obuses de grande calibre, efectuados por soldados das FAA, agentes da polícia, efectivos da Defesa Civil e civis que ainda portavam armas de guerra, como sinal de celebração nos quartéis e nas ruas do país.

Osama Bin Laden, terrorista internacional, foi abatido no complexo onde se refugiara e vivia com a família, no Paquistão, concretamente na localidade de Abbottabad, na madrugada de 02 de Maio de 2010, cujos restos mortais terão sido lançados ao mar, numa operação levada a cabo por forças especiais norte-americanas, os SEALs, acompanhada em directo no Pentágono por Barack Obama, Presidente dos EUA, portanto, sem funeral condigno e tampouco honras da parte dos seus correligionários, ao contrário de Jonas Savimbi que teve a sorte de fazer a última viagem, de Lucusse/Moxico à Lopitanga/Bie, onde foi sepultado definitivamente no dia 1 de Junho de 2019, num processo de transladação cadavérica que ainda fez renascer feridas mal saradas, cujo desfecho só foi possível com a intervenção do Presidente da República de Angola, João Lourenço, que receberá no seu palácio o substituto do defunto, Isaías Samakuva, após três dias de braço de ferro que envolveu familiares de Savimbi, a Direcção da UNITA e o Governo, a cerca do local e procedimentos para o enterro das ossadas do maior inimigo de José Eduardo dos Santos, o Comandante-em-Chefe das FAA, que orquestrou o plano fatal e trouxe a paz! 

Luanda, 22-02-2020. 

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